Trólebus histórico retorna a Santos após 30 anos para integrar o Museu Ferroviário

Após quase três décadas distante da Cidade, o trólebus 625 — último exemplar completo da frota original elétrica santista — voltou ao Município na semana passada e irá a integrar o acervo do futuro Museu Ferroviário de Santos.

Fabricado em 1963 pela Alfa Romeo em parceria com a Fiat e a Marelli, o veículo foi um dos 50 trólebus adquiridos pelo antigo Serviço Municipal de Transportes Coletivos (SMTC) para inaugurar o sistema de transporte elétrico sobre pneus da Cidade.

Desativado e leiloado como sucata em 1994, com a extinção do modelo e parte das linhas operacionais, o veículo teve um destino singular: foi adquirido por Mauro Diegues, da família fundadora da Expresso Brasileiro – tradicional empresa de ônibus que operou linhas municipais em Santos na década de 1960 – e preservado em seu estado original como monumento no interior paulista, na chácara Recanto Diegues, no município de Conchal.

Desde então, o trólebus 625 tornou-se objeto de desejo entre preservacionistas e estudiosos do patrimônio sobre rodas. Sua existência motivou, inclusive, a abertura de processos de tombamento para reconhecimento de seu valor histórico-cultural, com o objetivo de garantir sua proteção e avaliar o retorno a Santos — iniciativa que, embora não tenha se concretizado à época, pavimentou o caminho para sua salvaguarda.

A negociação de sua vinda à Cidade foi marcada por desafios logísticos e institucionais. Em 2024, o veículo foi colocado à venda em plataformas de comércio eletrônico. No entanto, mesmo diante de ofertas maiores de colecionadores com maior disponibilidade, o proprietário optou por um desfecho simbólico: aceitou vendê-lo por um preço consideravelmente reduzido exclusivamente para fins de preservação em Santos, com a condição de que o negócio fosse formalizado até o último sábado.

A compra e o transporte foram iniciativa da empresa de logística portuária AGEO Norte através de um TRIMMC – instrumento de implantação de medidas mitigadoras e/ou compensatórias, que trabalhou incansavelmente para que o trólebus fosse entregue em Santos ainda esta semana. O resgate envolveu uma operação de mais de quatro horas para tirá-lo do local onde se encontrava, já que o veículo não tem condições de se movimentar por conta própria; depois, outras cinco horas de viagem o levaram até Santos, onde a delicada operação de descarga levou quase duas horas.

“Trata-se de um verdadeiro resgate histórico. O trólebus 625 representa não apenas a memória do transporte coletivo santista, mas também o compromisso que a Cidade assume com sua identidade e com soluções urbanas sustentáveis. Tê-lo de volta é uma conquista coletiva e um sonho de 20 anos realizado”, afirma Thales Veiga, Assessor Técnico da Seção de Patrimônio Histórico e Cultural de Santos e coordenador do Museu Ferroviário de Santos e da negociação que viabilizou o retorno do veículo.

A incorporação do trólebus ao Museu Ferroviário é parte da iniciativa de valorização do transporte coletivo urbano e eletrificado. Os trólebus surgiram como uma evolução direta dos bondes, compartilhando a lógica da tração elétrica e das redes de infraestrutura urbana originalmente concebidas para sistemas leves. Em Santos, a rede de trólebus foi implantada como complementar aos bondes, sendo instalada originalmente na Avenida Washington Luís, a única grande artéria da Cidade que não tinha transporte sobre trilhos.

O veículo passará por restauro e será um dos destaques do acervo do Museu Ferroviário de Santos, projeto em implantação pela Prefeitura com o objetivo de valorizar a memória ferroviária e sobre trilhos da Cidade e do Estado de São Paulo. O museu, que será instalado em espaço próprio e adaptado para exposição, restauração e ações educativas, já conta com locomotivas, vagões e bondes raros, tornando-se uma das maiores iniciativas de preservação ferroviária da América Latina.

Do sistema trólebus, o acervo histórico de Santos possui ainda a carcaça de outro veículo idêntico e que deverá ser recuperada cosmeticamente; a subestação elétrica móvel – única no mundo – e um caminhão guincho de 1970 que atuava no serviço de socorro.

Seguindo o mesmo protocolo adotado em todos os processos de restauração dos bondes históricos, o trólebus 625 está passando por um levantamento técnico minucioso, dividido em três etapas: pesquisa histórica, análise das condições atuais do veículo e coleta das informações técnicas necessárias para a restauração.

“O trabalho está sendo conduzido pela equipe da CET-Santos, que vem realizando tanto pesquisa documental quanto atividades de campo. O objetivo é identificar os pontos fortes e fragilidades do veículo, o que permitirá traçar um plano de restauração estratégica, voltado à fidelidade histórica e à integridade visual do equipamento”, explica Marcos Rogério Nascimento, coordenador da equipe de manutenção de bondes da CET-Santos.

O veículo manterá todas as características originais possíveis. Isso inclui o acabamento externo, layout interno e algumas funcionalidades específicas, garantindo ao público uma experiência de contato próximo com um exemplar fiel do passado.

A previsão é de que os serviços de restauração sejam realizados pela Viação Piracicabana, especialista em manutenção de trólebus e ônibus na Cidade. A execução dependerá da conclusão dos levantamentos técnicos e de aprovação junto ao Departamento de Patrimônio.

Um dado curioso é que o acervo de bondes históricos de Santos conta com outro veículo fabricado pela Fiat marca que, nas décadas de 1950 e 1960, produziu tanto bondes quanto trólebus. Com isso, Santos se torna a única Cidade da América do Sul a contar com os dois modelos da fabricante italiana em exposição permanente. Uma oportunidade rara para que o público compare duas tecnologias semelhantes em propósito, mas distintas em execução — um verdadeiro mergulho na história do transporte coletivo elétrico.

Esta iniciativa contempla o item 9 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU: Indústria, Inovação e Infraestrutura. Conheça os outros artigos dos ODS.